terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Tem gente com fome

Leiam e vejam que coisa real, que coisa linda de um grande brasileiro, Solano Trindade!
Solano Trindade

TEM GENTE COM FOME (Solano Trindade)
Trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Piiiiii
Estação de Caxias
de novo a dizer
de novo a correr
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Vigário Geral
Lucas
Cordovil
Brás de Pina
Penha Circular
Estação da Penha
Olaria
Ramos
Bom Sucesso
Carlos Chagas
Triagem, Mauá
trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Tantas caras tristes
querendo chegar
em algum destino
em algum lugar
Trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Só nas estações
quando vai parando
lentamente começa a dizer
se tem gente com fome
dá de comer
se tem gente com fome
dá de comer
se tem gente com fome
dá de comer
Mas o freio de ar
todo autoritário
manda o trem calar
Psiuuuuuuuuuuu

Francisco Solano Trindade (1908 – 1974) foi poeta, folclorista, pintor, ator, teatrólogo e cineasta e sua obra é de importância fundamental para nosso país. Seu talento em tantas áreas esteve sempre voltado à luta contra o racismo e ao estudo e difusão da cultura afro-brasileira.

Ajudou a organizar o I Congresso Afro Brasileiro, ocorrido em 1934 Recife e participou ativamente do seguinte em 1936, em Salvador, além de fundar a Frente Negra Pernambucana e o Centro de Cultura Afro Brasileiro, também no Recife. Na década de residiu no Rio de Janeiro e posteriormente em São Paulo, onde criou raízes e entrou para a história do Município de Embu das Artes.

Entre suas publicações mais importantes estão: Poemas de uma vida simples 1944, Rio de Janeiro, e Cantares do Meu povo 1963, São Paulo, além de uma antologia chamada Poemas Antológicos lançada em 2008 e ilustrada por sua filha Raquel Trindade. O poema apresentado “Tem gente com fome” é de seu primeiro livro (e está presente também na coletânea) e sempre despertou a ira dos dominantes. Fez com que livros fossem recolhidos na década de quarenta quando virou música, interpretada pelo grupo “Secos e Molhados” em 1975, foi proibida pela censura. Posteriormente, Ney Matogrosso a resgatou no disco “Seu tipo” em 1980.


Um comentário:

EM disse...

Levy, lembrei-me deste poema de Ulisses tavares, voc6e deve conhecer:

Tem gente passando fome

“Tem gente passando fome.
E não é a fome que você imagina entre uma refeição e outra.
Tem gente sentindo frio.
E não é o frio que você imagina entre o chuveiro e a toalha.
Tem gente muito doente.
E não é a doença que você imagina entre a receita e a aspirina.
Tem gente sem esperança.
Mas não é o desalento que você imagina entre o pesadelo e o despertar.
Tem gente pelos cantos.
E não são os cantos que você imagina entre o passeio e a casa.
Tem gente sem dinheiro.
E não é a falta que você imagina entre o presente e a mesada.
Tem gente pedindo ajuda.
E não é aquela que você imagina entre a escola e a novela.
Tem gente que existe e parece imaginação.”